As eleições autárquicas e regionais: a Terceira Via


Há muito que queria escrever algo acerca da discussão em torno do eventual adiamento das eleições autárquicas e regionais mas por questões de tempo não foi possível concretizar esse objectivo. Mas hoje vou expor o meu ponto de vista na expectativa de ser de alguma utilidade.


Não estou cá para me posicionar no debate, tendo em conta que não sou parte interessada no mesmo. Todavia, confesso que eu sou um entusiasta do poder local, já trabalhei com quase todos os autarcas do nosso país e até com a região autónoma e a maioria dos envolvidos. Por isso, tenho algum suporte para falar sobre esta matéria...Direito Administrativo, Constitucional, etc.


O primeiro aspecto a considerar é que se trata de um assunto delicado. O nosso país, além da falta de cultura democrática também não tem qualquer experiência com o poder local, facto que origina imensas confusões, principalmente ao nível da Administração Central. Ainda neste ponto devemos destacar o aspecto Príncipe e a Natureza Jurídica de Região Autónoma. Podem crer que torna o problema ainda mais complexo. Mas isso é assunto de outra conversa.



Está a ser discutido no país se as eleições devem ser ou não realizadas em Agosto, altura em que terminam os três anos de mandato dos autarcas e eleitos regionais. Se formos positivistas e seguirmos o estabelecido na Constituição da República, as eleições devem ser realizadas.


As Leis são o que elas são e mesmo que não concordemos com elas devemos cumpri-las. Lamento que esta questão das eleições tenha deixado de ser um problema jurídico e logístico para passar a ser um problema político.


O Governo talvez não tenha lidado com o problema de forma inteligente e cuidadosa o que o fez escapar do seu controle e daí nascer a polémica. Surgem todos a falar ao mesmo tempo e, como é característico do nosso país, nenhuma decisão emerge... Se tiverem reparado bem, temos apenas expectativas da realização das eleições ainda este ano, caso as limitações financeiras sejam ultrapassadas.


Antes de explicar a alternativa que não violaria a Lei nem “suspendia a Democracia” devemos fazer uma ligeira incursão pelo Direito das Autarquias Locais em São Tomé e Príncipe. Entenda-se que quando falo em autarquias locais pretendo incluir também a Região Autónoma, uma vez que o termo AL tecnicamente inclui está espécie de autarquias que também são entes públicos territoriais, com diferença de possuírem poderes mais vastos e órgãos de governo próprio.


O Governo poderia ter evitado a crise se tivesse agido antecipadamente e explicado a opinião pública antes do surgimento de vozes críticas. Uma coisa é ficar um ano sem realizar eleições e outra coisa bem diferente são catorze anos sem eleições. Não se esqueçam que a maioria das pessoas consentiu aquela outra fase sem críticas. Bom mas não interessa o passado. Efectivamente, bastava antecipar e tomar as medidas adequadas para resolver o problema.


A Constituição e a Legislação das Autarquias Locais prevê um mandato de 3 anos. Tanto os autarcas como a maioria dos políticos está contra esse prazo. Todos admitem que depois de 14 anos de casa desarrumada ninguém (talvez aqueles que criticam os actuais autarcas) consegue organizar em tão pouco tempo a máquina administrativa de uma organização sem meios. Por isso, todos defendem um mandado igual aos outros países (quatro anos). Por isso era necessário alterar essa regra. Isso pode ser feito num ano, dado que estamos dentro do período temporal de revisão constitucional.


O actual Governo pôs em marcha o processo de revisão da Divisão Administrativa do país. A nova Divisão Administrativa vai alterar a configuração do Poder Local em São Tomé e Príncipe. Se não for feita antes das eleições ela só poderá ser feita (efectivada) no fim desse período de 3 anos a contar de Outubro. O mesmo se diria de outras leis cruciais para autarquias que ainda se encontram na gaveta.


Portanto, bastava explicar isso aos eleitores. Bastava o poder central ser claro e objectivo com o poder local e com os cidadãos eleitores. Era a forma mais simples de evitar polémicas e seríamos honestos com as pessoas.


Para finalizar, reafirmo que o Governo poderia ter adoptado uma terceira via, explicado à opinião pública que não havia condições técnicas e jurídicas para a realização das eleições que que o mandato dos autarcas seria prorrogado por mais um ano, sendo para isso necessário alterar os instrumentos jurídicos necessários ainda antes do fim das eleições. Poderia ter tido também que, tendo em conta as reformas em curso na divisão administrativa, teríamos um poder local mais forte e mais legitimado no fim desse período. Política bem fundamenta é que é democracia!


Mé-Chinhô

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