Porquê que nós sempre persistimos nos mesmo erros? I


A Gestão das Roças por privados. Porquê que repetimos sempre os mesmos erros e tomamos decisões contraditórias.


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TELANON


Este texto vem a propósito da notícia recentemente publicada no Telanón (Leia aqui) sobre a gestão da Roça Monte Café por uma empresa líbia. Venho realçar as fragilidades desse tipo de negócio e tentar recordar que isto pode ser a repetição de erros que nós vimos repetindo ao longo dos nossos trinta e cinco anos de independência. Vamos começar pelos factos.


Todos recordam que as roças eram exploradas por colonos portugueses que conseguiam melhores proveitos à custa da mão-de-obra barata dos nossos ancestrais contratados (que de facto eram escravos, visto que não podiam regressar aos seus países de origem). Em segundo lugar, a maioria das roças funcionava como um autêntico feudo (Estado dentro do Estado), onde o patrão detinha todo o poder sobre as pessoas que nele viviam, onde o poder e a justiça da Metrópole nem do Governador na Colónia não se aplicavam. As roças eram onde foram cometidas talvez as maiores injustiças da era colonial. Muita gente defende o Marco de Fernão Dias e por vezes esquece que o nosso passado também está marcado em cada pedra das nossas roças. Por outras palavras, cada roça é um monumento e devia ser preservado como tal.


Por isso e muito mais, volvidos 34 de independência, após repetidas tentativas de viabilização falhadas com várias empresas e a famigerada distribuição de terras, os nossos dirigentes e a maioria dos são-tomenses ainda não percebeu que o modelo das roças é um modelo falhado. Nós temos de reinventar as roças e adaptá-las à nossa realidade actual.


Para facilitar a compreensão vou dar alguns exemplos. O primeiro tem a ver o caso de Porto Alegre e Ilhéu das Rolas. Ainda esta semana o Grupo Pestana anunciou que vai abandonar a gestão da unidade hoteleira instalada para se livrar das acusações de práticas reprováveis contra os habitantes da aldeia local. Essas práticas foram denunciadas inúmeras vezes. O que muitos não sabem é que o próprio contrato de concessão assinado entre o Estado e a Rotas de África tentou acautelar essas situações. Tem cláusulas precisas sobre os direitos dos moradores. Quem analisa bem a situação percebe facilmente que o comportamento do Grupo e as sucessivas tentativas para expulsar as pessoas da ilha eram perfeitamente razoáveis … eles atrapalhavam o negócio…

Outro exemplo de como arranjamos sarna para coçar é o facto de nos esquecermos que todas as roças têm pessoas, ou seja, quando, arrendamos nas condições que repetidamente se faz em STP, estamos a entregar terra do nosso país com uma comunidade de nacionais dentro. Na prática isso significa que dentro daquela unidade de produção as pessoas vão depender do PATRÃO e não delas próprias, por outras palavras, estamos quase no mesmo sistema da era colonial.


No caso da Roça Sundy, por exemplo, o Estado tinha a mesma opção, ou seja, entregar 1800 hectares da Ilha do Príncipe a um privado para gerir por 25 anos com uma comunidade lá dentro. Respondam-me por favor o seguinte: O que fazer com quem não quer trabalhar para a Empresa? Quem paga a energia que eles consomem? Quem deve lhes garantir água potável e saneamento? Ou ainda , mais avançado, quem lhes assegurará no terreno da roça saúde e educação?


Esses assuntos não preocupavam o Governo da Colónia nem a Metrópole em Lisboa. Mas será não nos deverá preocupar? Está na hora de procurar soluções e mudar a filosofia. Esse novo modelo deve considerar os seguintes princípios.


(perdoem a numeração)

  1. Separação das actividades;

Tem de haver uma separação clara entre as terras para agricultura das outras terras. Desde logo, o núcleo da roça deve ser mantido pelas autoridades locais e não pela empresa. Haveriam de ser criadas área de reserva para o expandir a comunidade e permitir a instalação de outras actividades. Com essa medida o governo deixaria claro ao investidor que ele não tem a responsabilidade determinadas zonas da roça.

Isso não quer dizer que a Empresa não poderá contribuir para a melhoria das condições de vida das pessoas mas isso não pode ser uma responsabilidade. É uma forma de prevenir abusos e injustiças.


  1. Criação de zonas urbanas para a expansão da aldeia, de acordo com uma planeamento urbano racional e realista;

A proposta é simples, uma mudança na arquitectura e maior liberdade de expansão. Esta medida pode ser a garantia do sucesso das demais. Caso seja possível definir uma nova organização do espaço das roças nós vamos ser capazes de colocá-las no mapa e dessa forma seríamos capazes de alterar a dinâmica actual da vida nessas comunidades. Ninguém merece viver em comboios, sem energia eléctrica nem água canalizada, nem ter privacidade em relação ao vizinho do lado porque a divisória nem chega ao tecto.


  1. Promover projectos de realojamento de migrantes;

Se repararmos bem, muita gente migrou das roças para a cidade capital. Essas pessoas foram em busca de vida melhor. Se o governo pretender incentivar o regresso das pessoas terá de lhes criar algumas condições, por exemplo, vendendo terra para a construção a preços controlados.

As famílias (homem e mulher) carenciadas teriam direito a um lote para a construção de habitação própria. Alguns lotes seriam vendidos às empresas que quisessem fixar na zona, bem como a pessoas da cidade que lá pretendessem fazer uma casa.

Reparem o termo aqui usado. VENDIDO. Os terrenos dever ser propriedade das pessoas. Só assim elas podem vender, fomentando o imobiliário e a criação de riqueza. A pobreza também se elimina criando riqueza...


  1. Estimular o turismo rural;

O turismo rural não é incompatível com a agricultura. As roças concessionadas poderia também ter instalações e espaços para o turismo. Nelas podem ser construídos hotéis, casas de férias etc.

Se não me enganar, os empresários líbios não vão investir 10 milhões de dólares em plantações de cacau. Vão construir casas de campo e locais de descanso para pessoas ricas. Algumas casas poderão custar uns 300.000,00 dólares.


  1. Promover a valorizar e recuperação do património cultural;

As casas das roças não deviam também fazer parte dos contratos. Refiro-me às casas do patrão, do feitor e todas as outras edificações emblemáticas. Esses edifícios deviam ser promovidos como património nacional e serem geridos pela Turismo de São Tomé, pela direcção de Cultura e entidades privadas, incluindo as próprias concessionárias. Isso serviria para promover espaços para os nossos turistas visitarem. Locais que contam a nossa história…

  • Pouca gente sabe a quantidade de monumentos arquitectónicos existente e m STP. Para terem uma ideia basta visitarem o palácio do Mouro da Trindade ou a Roça Vista Alegre. São os meus locais de eleição… na minha modesta ignorância.


  1. Diversificar as actividades

Este ponto está relacionado com o seguinte, mas pretende referir-se ao que se faz na própria roça. Na maioria dos contratos de concessão falhados, a roça é entregue em exclusivo ao concessionário. Quer isso dizer que mais ninguém pode montar um negócio naquele espaço, mesmo que seja algo que o concessionário não fornece. Alias foi isso que aconteceu nas Rolas. O grupo Pestana implicava com as pessoas a venderem artigos diversos e produtos de mercearia aos trabalhadores e aos turistas. Se assumirmos este novo espirito vamos estimular a economia local. Outras pessoas e empresas vão fixar-se naquele local e fornecer serviços aos residentes, instalar industrias de transformação de outros produtos agrícolas e talvez prestar serviços ao concessionário da roça.


  1. Instalar serviços públicos

Serviços de saúde educação e outros. Algumas povoações podem ser o local ideal para instalar escolas especializadas. Os novos governantes sabem disso e já estão a por em prática. É o caso de Água Izé com as instalações para a formação profissional. Há imensas vantagens dentre elas a descentralização.

  1. No quadro da nova Lei das Autarquias promover a criação de Freguesias nessas comunidades, com responsáveis eleitos;
  2. Alterar a Lei de Classificação dos Aglomerados populacionais de forma que permita a promoção gradual das aldeias para vilas e cidades, baseada em critérios transparentes;
  3. Alterar a Rede Viária Nacional e reorganizar o sistema de Transportes Públicos de forma que possa cobrir todo o país.

Esta medida deve ser implementada no longo prazo e dependerá da existência de recursos mas o planeamento terá de considerar estes aspectos. Antigamente todas roças tinham uma rede de caminho de ferro que cobria quase toda a ilha. As roças Agostinho Neto e Monte Café são praticamente vizinhas mas é impossível alguém deslocar-se de carro de uma para outra sem ir para cidade. Esse fenómeno existirá se nós mantivermos as actuais fronteiras das Roças. Temos um país independente há mais de 34 anos mas as Empresas Agrícolas ainda estão separadas como feudos por nós próprios. A Administração Colonial construiu estradas sinuosas para desviar as montanhas e também para satisfazer os caprichos dos donos das roças.


  1. Fazer avaliação sistemática das medidas

Todas as medidas dever ser monitoradas e avaliadas.


Comentários

  1. Interessante e refrescante.

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  2. Depois de relido, li na altura em que foi postado, mais interessante e pertinente me parece.

    Muito bom MÉ-Chinô.

    Abr.,

    An

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