O Orçamento de Estado como elemento fundamental da política financeira

O Orçamento de Estado como elemento fundamental da política financeira


Por: Mé-Chinhô Costa Alegre*


Após uma leitura cuidada da entrevista da Ministra das Finanças de São Tomé e Príncipe tomei a liberdade de escrever sobre este tema - o Orçamento de Estado como instrumento de política financeira (e económica) e apresentar algumas ideias como mina modesta contribuição. A ideia central é que existem mecanismos para melhorar as receitas do Estado, principalmente pela via da cobrança efectiva e também através da diversificação das mesmas.


A. Receitas públicas

De acordo com a fonte, podem ser identificados dois tipos fundamentais de receitas do Estado, as receitas fiscais e as receitas patrimoniais. As receitas fiscais constituem um âmbito amplo onde podemos incluir as taxas e os impostos. As taxas são tributos cobrados pela prestação de um serviço, ou fornecimento de um bem, ou ainda pela eliminação de uma barreira jurídica à realização de uma determinada actividade. Portanto, são taxas respectivamente os emolumentos registrais e notariais, as propinas escolares a contrapartida devida pela emissão de uma licença ou autorização (Não confundir com alvará porque o alvará é título ou documento onde se estampa a licença ou autorização).


Quem não tiver paciência para ler isto pode saltar para o ponto B


Os impostos, por sua vez, são também tributos mas têm uma diversa das taxas, eles não requerem a relação entre aquilo que se cobra e aquilo que se recebe (correspectividade das prestações ou sinalagmaticidade). Neste contexto é que reside o problema fundamental dos impostos em São Tomé? Como explicar as pessoas que vamos cobrar impostos ou que eles devem pagar impostos se não vêem nada feito em benefícios de do país. Por isso, apenas os trabalhadores por conta de outrem é acabam pagando os impostos, grandes empresas (ENCO, CST, Pestana e outros casos contados), e todos aqueles que importam bens. O resultado é que depois do produto passar pelas alfândegas, a capacidade de cobrança é extremamente reduzida.


A nossa economia é bastante pequena e frágil. Esses factores tornam a capacidade de cobrança de impostos ainda mais reduzida. Na prática, os únicos impostos que cobramos resultam de bens importados e não da produção nacional. Por outro lado, concentramo-nos nos impostos directos e apenas em alguns impostos. Realizamos reformas fiscais que não alteraram o modelo fiscal do país, mantendo o modelo de taxas elevadíssimas e uma base fiscal reduzida (poucos contribuintes). Mais importante que isso tudo, é o peso da economia informal. Circulam milhões fora do sistema organizado, entre pescadores, candongueiros, advogados, engenheiros, arquitectos, comerciantes, construtores e empresários em geral. Tais sujeitos demonstram o quanto não pagam em impostos construindo casas luxuosas e ostentando carros também de luxo (atenção que não estou a acusar ninguém nem criticar quem é rico mas sim realçar os sinais exteriores de riqueza).

As receitas patrimoniais advêm da gestão do património do Estado. Por isso, todos os actos de gestão, alienação e outros negócios podem traduzir-se num aumento da receita patrimonial do Estado. Apesar das acções de delapidação patrimonial nos últimos 34 anos, o Estado ainda dispõe de uma património valorizado em milhões e milhões de euros. Basta ver os terrenos, os edifícios expropriados que ainda estão na cidade, as casas das roças, os próprios terrenos das roças, o património das Empresas Públicas e as acções em sociedades participadas pelo Estado. Por isso, o activo pode ser gerido como forma de criação de receitas adicionais. Basta relembrar que imensas casas do Estado são vendidas a preços irrisórios (exemplos: todos sabem), os terrenos são dados a troco de três milhões de dobras e outras situações anómalas.

B. Significado jurídico e político do Orçamento de Estado


Indo ao cerne da questão, porque que o orçamento pode servir de instrumento de política financeira para transformar a economia naquele período financeiro. Aqui joga o primeiro aspecto fundamental do Orçamento. É um documento onde são previstas as receitas e despesas anuais que são autorizadas pela Assembleia Nacional. Isso significa que a Assembleia permite realizar determinas despesas no sector X e não em investimento Y. O Governo define as prioridades para execução e a Assembleia consagra essas prioridades, em nome dos interesses do Povo numa Lei.


Estamos por isso, perante uma Lei. Sendo assim, essa Lei tem o mesmo valor e força normativa que as demais Leis. Essa mesma Lei pode alterar todas as demais Leis Decretos-Leis vigentes. Desta feita, o Governo pode programar todo o tipo de mudanças que pretende realizar no sistema financeiro através do OE, alterando as Leis fiscais, modificando taxas de impostos, alterando o tarifário de serviços públicos, modificando procedimentos e valores de rendas de bens do Estado, etc. Há uma infinidade de medidas que podem fazer parte do Orçamento do Estado. Já analisei imensos textos de OEs de STP e constatei que são feitos da mesma forma que nos anos oitenta (excepto o aspecto introduzido pelo SAFE, principalmente a classificação). O texto da Lei é praticamente idêntico desde essa altura.


C. Medidas com potencial de aumento das receitas públicas

O que sugiro aqui é uma utilização mais pro-activa do OE, de modo a torná-lo num instrumento eficaz de política financeira, apto a fazer a economia mexer, com investimento público e privado. São realmente sugestões e por isso criticáveis. Resultam de uma perspectiva pessoal da realidade actual do país. As medidas que podem acompanhar o OE e fazer parte da Lei são as seguintes:


C. Eixo 1 - Medidas fiscais

  • Alteração das taxas e da incidência do Imposto de Consumo
  • Criação de incentivos fiscais ao emprego, por exemplo
  • Aumento das coimas por infracções fiscais
  • Atribuir ou transferir para as autarquias locais poderes de cobrança de determinados impostos - por exemplo a Contribuição Predial Urbana
  • Alteração dos impostos sobre o património: em Barbados, os veículos pagam algo como 200,00 USD por ano. Em STP, pagam 10,00 USD os de maior cilindrada estão ainda abaixo da casa dos 40,00 euros. E a injustiça das casas luxuosas não pagarem um valor efectivo também pode ser incorporado neste pacote.
  • Criação mecanismos concertados com as autarquias para inclusão do mercado informal na economia,

através da inclusão de novas taxas e impostos e taxas simples para os sectores fortemente informais, bem como a previsão de licenças e autorizações: neste ponto podem ser incluídos grupos como pescadores, vendedores ambulantes, motoqueiros e as milhares de quitandas espalhadas pelas ilhas. A organização e regulamentação das actividade permite a redução da informalidade.

  • Controlar as transferências de dinheiro.

As normas cambiais de Barbados e Namíbia, por exemplo, exigem a identificação rigorosa da pessoa que transfere, bem como as fontes de receitas. Essas informações são partilhas entre o Banco Central e a Administração Fiscal.

  • Criação da taxa de Radio-Difusão: objectivo financiar a Radio e Televisão.


C. Eixo 2 - Regime das Taxas

  • Alteração das taxas e emolumentos dos serviços públicos
  • Centralização do sistema de cobrança de taxas através da Direcção do Tesouro. Este ponto requer explicação. É necessário criar o modelo da conta única. Alguns serviços desconcentrados (Direcções, etc.) cobram receitas e em alguns casos não enviar para a Direcção do Tesouro. Teria de ser criada uma forma de forçar os serviços a entregar as receitas aos cofres do Estado. Acho que funcionaria muito bem um mecanismo de créditos, ou seja, o interessado pagava num banco ou entidade acreditada e usaria o comprovativo no serviço desconcentrado. Iam ver como as receitas aumentavam.
  • Criação de um regime Jurídico das Licenças de Construção com taxas mais transparentes e elevadas que seriam emitida pela DOPU*


C. Eixo 3 - Receitas patrimoniais
  • Abertura da primeira fase de privatização das seguintes empresas públicas: EMAE, CORREIOS, ENAPORT e ENASA.

Processo a ser programado por fases, em que o Estado transforma as empresas em sociedades anónimas e abre uma oferta pública inicial para a venda de uma parcela do capital não superior a 65%. Condições de mercado transparentes são a chave do sucesso destas operações. Caso contrário, talvez seja melhor nem mexer.

  • Actualização e cobrança efectiva das rendas das parcelas de terra pertencentes ao Estado.


Atracção de investimento gerador de riqueza

Este capítulo é o mais complexo, pois exige políticas e acções concretas para atrair investimento gerador de riqueza e não investimentos em comércio. Aqui prevalece a ideia que todos partilham. Só que tem é que pode pagar, não se pode cobrar a alguém impostos que lhe coloquem numa situação em que não se pode sustentar. Por isso, é preciso fazer a economia crescer para poder gerar mais impostos e retirar os impostos dessa produção interna. Vou dar dois exemplos e entrarei logo nas conclusões.


C. Eixo 4 - incentivos ao crescimento económico


  • Programa de criação de Grandes Empresas

Adopção de um programa de consolidação de grandes empresas nacionais em sectores prioritários como as pescas, agricultura e pequenas indústrias. Há empresários com bastante iniciativa em STP, apenas precisam de incentivos de natureza diversa. Para evitar vícios e “tradings” podem ser introduzidos sistemas de garantia mútua de crédito, incentivos fiscais para investidores nacionais (tenho a impressão que o Código de Investimentos é dirigido ao investimento estrangeiro), fomento de parcerias entre investidores nacionais e estrangeiros, etc.


Nesse mesmo programa, o Governo pode abrir linhas de crédito a fundo perdido, em sistema de concurso para criar Grandes Vencedores nacionais em sectores industriais alimentares e pescas.


  • Criação da Agência Nacional de Investimentos

Esta agencia seria a gestora dos projectos para como o indicado acima e a entidade facilitadora dos investimentos, nacionais ou estrangeiros.



C. Eixo 5 - Modernização do sector público


  • Fundir a TVS com a Rádio Nacional

aproveitar estruturas semelhantes e criar e financiar parte dessas despesas com a Taxa de Radio-difusão, a cobrar nas facturas da EMAE. É obvio que aqui estou a falar na empresarialização das duas estações e fazer uma única entidade, com contas separadas do Estado.


  • Estruturação do Ministério da Economia


  • Transformação da actual Direcção de Obras Públicas e Urbanismo

A nova DOPU seria uma entidade com poderes legais e competência técnica para atribuir licenças de construção em todo o país, incluindo a RAP. As Câmaras e a RAP teriam a incumbência de emitir as licenças de utilização dos espaços. A Nova DOPU também se encarregava de todo o planeamento territorial do país. O cadastro faria exactamente aquilo que deve, cartografia, geodesia e até mesmo registo cartográfico de propriedade.


D. Síntese - discussão


As notas e medidas acima referidas estão baseadas numa avaliação superficial das situação, devendo por isso ser entendidas dessa maneira. Contudo, tentam reflectir a realidade actual do país e demonstrar os activos disponíveis. Na prática é necessário muito apoio político e estabilidade para realizar tais medidas.


Suponhamos estas medidas fossem comprovadamente viáveis e que teriam impacto no aumento das receitas, a grande dúvida seria:


Quem seria capaz de aprovar esse orçamento?

Qual seria a receptividade do público?

Melhor, quem seria capaz de defender este orçamento?

A actual composição da Assembleia permitiria a sua aprovação?

É o um Orçamento adequado para um ano de eleições?


Ficam assim essas preocupações.

Obrigado,


*Mé-Chinhô Costa Alegre é Jurista.

Texto publicado em http://tluqui.blogspot.com

Barbados, 5 de Outubro de 2009

Comentários

Mensagens populares