O voto dos sao-tomenses na diaspora

Por Mé-Chinhô Costa Alegre
Jurista

A participação dos cidadãos na vida política constitui uma das marcas fundamentais do sistema democrático. O voto é no fundo a forma mais radical dessa participação, pois é o momento em que os cidadãos escolhem os seus representantes. Por essa razão o processo eleitoral deve ser transparente e respeitar as regras e principios estabelecidos. Porém, a qualidade e o perfil dos eleitos, bem como a composição final da Câmara (assembleia) representativa também nao e de somenos importancia. É este o assunto que iremos discutir nas próximas linhas.

A composição do parlamento determina a composição do Governo e determina também o equilíbrio de forças entre os vários partidos políticos. Esses factores determinarao por sua vez as políticas e forma como são discutidas e aprovadas as Leis que governam cada país.

Neste contexto, após quase duas décadas de sistema multi-partidário e nas vésperas de mais um ciclo eleitoral, parece oportuno trazer à colação a questão do voto das comunidades são-tomenses no exterior. Constatou-se nesse periodo que a diáspora são-tomense apenas vota nas eleições presidenciais, ao contrário daquilo que acontece com a portuguesa e cabo-verdiana, por exemplo. Antevendo a utilidade prática e os benefícios do voto dos emigrantes, bem como o impacto do sentimento de exercício de dever de cidadão vamos discutir as causas e eventuais remédios para a actual situação.

Numa análise elementar da Lei Eleitoral (Lei nr. 11/90) pode-se concluir que o exercício do voto se baseia na inscrição eleitoral, ie, Só pode inscrever-se quem tiver capacidade eleitoral activa, de acordo com as leis nacionais. Em condições normais, todos os cidadãos maiores de 18 anos têm capacidade eleitoral activa (e por essa via passiva), salvo excepções de indivíduos que recaem nas situações previstas no artigo 7.º.
Além disso, o artigo 9.º assume claramente esse direito: Os cidadãos são-tomenses que residam no estrangeiro gozam de capacidade eleitoral activa, exercendo o respectivo direito de sufrágio junto da respectiva representação diplomática da República Democrática de São Tomé e Príncipe. Daí podemos entender que mesmo os não residentes no país teriam em princípio a possibilidade de votar.
Contudo, esse voto também dependerá de outros factores como por exemplo a localização, principalmente daqueles que não residem num país onde STP não possui representação diplomática. No nosso ponto de vista, a razão pela qual os são-tomenses não votam nas legislativas esta relacionada com a inexistencia de circulos eleitorais nos seus locais de residencia. Ao contrário de Cabo Verde e de Portugal, o legislador são-tomense não previu a criação de círculos no estrangeiro. Ignorou tacitamente a diáspora, deixando um vazio no caso das eleições legislativas, apesar de adimtir essa possibilidade (vide art. 17, nr. 2).

De acordo com a Lei 11/90, o número de deputados será entre 45 e 55 (art. 16.º). Depreende-se do texto que a intencao do legislador nao foi de prever um numero fixo, muito menos de ditar a actual composicao de 55 deputados. Por outro lado, a distribuição dos círculos no território de STP corresponderá aos distritos ( art. 17.º, nr. 2). O número específico de deputados para cada círculo deve ser determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça em função dos eleitores inscritos, não podendo porém ser inferior a quatro deputados por distrito (art. 17.º, nrs. 3 e 4).
Se lido em conjugacao com o art. 211., o art. 17 legitima a composicao do Parlamento sao-tomense de 55 deputados mas previu aquela composicao apenas para a primeira elicao. Quer isso dizer, que ha liberdade para se alterar a composicao da Assembleia Nacional, abrindo espaco para os deputados representantes da diaspora. Prova disso e a propria localizacao sistematica daquela norma (disposicoes finais e transitorias).
Portanto, não há círculos para a diáspora, nem deputados que são eleitos para esses círculos eleitorais, tal como acontece em Cabo Verde e Portugal apenas porque tal ainda nao foi implementado. Mas há espaco legal e politico para essa reforma.
Para tornar isso possivel a Assembleia Nacional pode alterar a nesse sentido, lei deixando de forma clara os círculos eleitorais da diáspora. No contexto presente seria ideal estabelecer círculos correspondentes maiores comunidades de são-tomenses, tais como Lisboa, Libreville e Luanda. O momento tambem se revela favoravel, tendo em conta que a Lei eleitoral esta em processo de revisão.

A forma mais simples de fazer chegar esta mensagem e outras similares ao legislador são-tomense é através do direito de petição, consagrado na recente Lei nr. 1/07 que define os mecanismos e procedimentos para o exercício do direito de petição e acção popular.

No fundo, a possibilidade de os cidadãos na diáspora votarem abriria uma porta para um maior envolvimento dos emigrantes nos assuntos do país e contribuiria para o reforço da democracia. Além disso, aumentava a responsabilidade de ambas as partes, tanto dos eleitores como dos eleitos.
Texto revisto. Publicado inicialmente em:

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